Perguntado sobre o porquê de construir casas, respondeu o João de Barro:
Por que é isto que sei fazer.
Nos primeiros anos da década de 40 foi publicado o primeiro livro infantil de Mario Quintana que recebeu o nome de Batalhão das Letras. Segundo o Instituto Reneguenom o mesmo foi desaconselhado pelos mentores da Secretaria de Educação e Cultura, desgostosos que ficaram com uma certa quadra de versos que estavam no livro. Fizeram isto talvez por acharem a tal quadra perigosa, capar de incentivar as crianças a adotarem maus costumes, o que em si, é inaceitável para um livro infantil.
O fato é que apesar das ressalvas, o tal livro fora publicado. A merda, perdão, urina, estava irremediavelmente feita e apta a contaminar com seu desejo de travessura os corações das futuras gerações de crianças.
Décadas depois, no que era pra mim um dos lugares mais aconchegantes da minha infância, o colo do meu tio Cadim, o previsto pela Secretaria de Educação aconteceu. Meu tio deixou escapar a tal quadra de perigosos versos:
Com x se escreve xícara.
Com x se escreve xixi.
Não faças xixi na xícara, menino.
O que irão dizer de ti?
Na minha terra idade, aquilo foi uma festa. Ri até soluçar. Repetia os versos para todos que via. Coragem de urinar na xícara não tinha. Pra falar a verdade, nem precisava. Só o fato de recontar o verso já era pra mim uma aventura. Uma travessura gostosa de fazer.
Havia descoberto para sempre o poder das palavras, a arte de transverter a realidade com outras realidades que nem reais são. Nascia assim meu gosto pela poesia.
Esse X transformador do verso, capaz de criar realidades diferentes, uni-las numa mesma dança, vinculá-las a mim sem me dar o direito de me vincular a elas, sim, este X que da nova roupagem a velhos fatos, me seduziu.
Cresci apaixonado pelo verbo. E ainda hipnotizado por esta mágica poética de despretensiosamente inventar mundos, posso dizer:
O x do verso, assim como minha origem, é também o x da questão, ou melhor, o x desta questão que faço por recomeçar a escrever publicamente, ainda que nunca haja publico algum.
Decidi escrever por que gosto de fazer isto. Gosto de relembrar mundos que eu mesmo inventei – e as palavras permitem isto – descobrir no fio do dialogo um doce jeito de transgredir, criar personagens eternos, criar novos olhares, tornar mais belo qualquer coisa.
Como nos verso do Batalhão das letras, literatura pode ser por vezes uma merda.
Inevitável, confesso, é não faze-la.
Mas tudo que espero nesta minha jornada é talvez, como Quintana, aprender desenhar. Quem sabe, também suscitar afetos. Reinventar amores.
Descobrir velhos motivos para voltar a brincar.
[…] Que eu possa morrer como os passarinhos de lá. Cantando… […]